20/11/2021 às 10h15
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Adrovando Claro
Natal / RN
Por Gumercindo Saraiva - Musicólogo, poeta, jornalista e folclorista
A cachaça, a branquinha, a juribita, a cana, a bicada, a pinga, a água-que-passarinho-não-bebe, são alcunhas pelas quais o povo pede aguardente nas quitandas, nas mercearias, nos botequins, e em todos os lugares, para "passar o frio", para "ter apetite", para "iniciar uma cantoria", para "esquentar o corpo", para "melhorar a voz", para "matar as saudades", para "ter coragem", para "evitar a bronquite", para "curar resfriado", para "pedir uma moça em casamento", para fazer o que é bom e o que não presta. Contudo, a pessoa que bebe, geralmente quer é ter um pretexto.
A embriaguez no indivíduo, deixa-o em vários estados de comportamento fisionômico e por que não dizer também fisiológico? Uns, que eram tristes, meigos e pensativos tornam-se alegres, violentos e perigosos. Outros, que exemplificavam a honestidade, o trabalho, a perseverança, ficam velhacos, preguiçosos e indolentes, porque os efeitos alcoólicos são funestos, destruidores, fatais, para aqueles que já possuem a tara da marginalidade. Daí se dizer erroneamente que a bebida é como o fogo que destrói em poucos minutos o que se construiu em muitos anos.
As quadras, os adágios, as lendas, as adivinhações, as parlendas no Rio Grande do Norte, criadas pelo povo, originaram estudos de escritores e folcloristas conterrâneos, já transcritos em publicações especializadas, o que dispensamos grandemente, citando apenas alguns versos populares, divulgados por Veríssimo de Melo, no "Folclore da Redinha", na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, v.LIII, 1960, p.91-92.
Aludindo às más companhias, disse Zé Preto:
Nasce um menino e se cria
Na proa duma barcaça.
Não há serviço no mar
quesse menino num faça.
Quando se ajunta c’uns outros,
Começa a beber cachaça.
"Seu" Dantas refere estes versos que dizem os bebedores de cachaça:
Aguardente é moça branca
Fia de sinhô de engenho;
Quem se interna munto nela
Fica sem num um vintém.
Luis Totonho disse esta quadra:
Aguardente é Jurubita
Feita de cana torta
Bato contigo no bucho
Bate comigo na porta.
Existe no folclore brasileiro esta quadra, citada por Alceu Maynard Araújo, Leonardo Mota, João Ribeiro e outros:
"Cachaça é moça bonita
ainda bebida de luxo,
ela bate comigo no chão
eu bato com ela no bucho.
De um vendedor ambulante, que distribui cachaça dos alambiques de Ceará-Mirim, senhor Altamiro Mendonça Alvos, recolhemos esta quadra:
Ceará-Mirim dá cachaça.
Extremos nos dá caju
Pode dizer no Recife
Que aqui não entra "Pitu"...
A exportação da aguardente Pitu é uma coisa extraordinária, pois, Pernambuco exporta esse produto até para o estrangeiro. Viajando pelos lugares mais afastados dos estados, notamos que nas prateleiras pode faltar doce, leite enlatado, refrigerantes, ou outro alimento para o sustento de sua povoação, o que entretanto, encontramos filas de Pitu para suprir aqueles que acham que:
Se beber morre.
Se não beber morre!
Então, "Vamos beber enquanto há vida, dinheiro e mulher".
Numa pesquisa que fizemos junto aos estabelecimentos especializados, principalmente no Alecrim, Rocas, Carrascos e Areia Preta, encontramos uma infinidade de atribuições ao homem embriagado, como sejam:
Estar:
Camuflado
embiritado
encachaçado
embalsamado
bebinho-da-silva
curtindo
apagado
bicado
zarolho
fora de si
chamuscado
embassado
de cara cheia
alambicado
de cair com a pancada de um lenço
infestado ou manifestado
atrelado
chumbado ou chulado
serenado
aos tombos
truviscado
minados
bebo que só uma cabra
de cara cheia de rama ou cheia de pau
numa carraspana dos diabos.
No "soçaite", onde os ricaços muitas vezes se embriagam mais e dão verdadeiro "show", há uma comiseração toda especial, quando dizem que eles estão:
vibrando
aéreos
quentes
de pileques
azinhavrados
algorobados
alegres
fresados
embaralhados
oleados
encanados
sonhando com os anjos.
É de notar que, contrariando o que muita gente pensa, o uso de cachaça no "soçaite" é uma coisa impressionante, apenas que é consumida às escondidas, numa convenção e condição expostas à sociedade, o que não acontece com a pobreza que bebe e não dá satisfação a ninguém.
(Saraiva, Gumercindo. "Cachaça, embriaguez e suas parlendas no Rio Grande do Norte". Brasil açucareiro, agosto de 1972, p.111-112)
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