04/10/2020 às 10h09
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Adrovando Claro
Natal / RN
por Caê Vasconcelos
Acácio do Nascimento sempre foi um garoto diferente dos demais. Quando era criança, preferia brincar de boneca a jogar futebol, gostava mais de bambolê do que de carrinhos e pistolas. Seus pais, Mara e Galdino, tinham medo que o filho pudesse ser gay e, para evitar que isso acontecesse, submeteram o filho a diversos tratamentos para ele se tornar um menino como os outros.
A história de Acácio, ficcional mas também muito real, é contada em “Bendita Cura“, série em quadrinhos feita pelo premiado quadrinista Mário César, que ganhou o Troféu HQ Mix, o “Oscar dos quadrinhos”, três vezes, e é um dos fundadores da Poc Con, feira de quadrinhos e artes visuais voltada para o público LGBT+. A primeira edição de “Bendita Cura” faturou o prêmio de Melhor Web Quadrinhos no Troféu HQ Mix. Na trilogia, Mário cuidou da pesquisa, roteiro, textos, ilustrações, publicação e “até o cafezinho”. No primeiro volume, lançado em 2018, Mário nos apresenta o começo da história de Acácio, que é submetido as primeiras sessões de “cura gay” aos 5 anos de idade, nos anos de 1960, período da Ditadura Militar. Na segunda parte da história, lançada em 2019, vemos a vida de Acácio da faculdade até o começo de sua vida adulta.
Agora, para lançar o terceiro volume, que conta mais da fase adulta do personagem, e todo o desafio para se livrar o machismo e da LGBTfobia, o autor lançou uma campanha no Catarse, que se encerra em 2 de novembro, para as versões impressas. Quem quiser ler, a versão online é gratuita. A ideia de fazer os quadrinhos surgiu em 2013. “Eu tive a ideia para fazer os quadrinhos quando o Marco Feliciano [deputado federal pelo PSC-RJ] assumiu a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara [dos Deputados] e o deputado João Campos de Araújo (Republicanos-GO) tentou aprovar a ‘cura gay’. Foi a primeira vez que o assunto ficou mais conhecido”, conta Mário em entrevista à Ponte. A ideia de dividir a história de Acácio em três partiu de uma visão do autor de tornar as HQs mais acessíveis. “A história é muito grande, então dividi em três para não ficar um livro tão caro. Por isso eu publico na internet para que mais gente leia. Inicialmente, pensei em fazer em dois volumes, mas conforme fui produzindo ela foi crescendo e tinha mais coisa para falar”.
O quadrinista buscava atingir dois públicos quando criou a HQ: “Eu quero que o público LGBT+ leia para se sentir representado de ver um personagem como ele, em situações que todo mundo passa. Quero que quem ler saiba que não está sozinho, mas também quero que pessoas não-LGBTs leiam para entender, porque o preconceito a gente combate com informação, com educação”. “As pessoas têm uma ideia muito deturpada do que é ser LGBT+ e o preconceito vem disso. Estamos lutando contra séculos de uma educação patriarcal, em que a Igreja tem uma função muito forte na formação cultural brasileira e as igrejas não são progressistas, tem uma formação secular contra tudo o que não se encaixa no padrão heteronormativo”, aponta.
Para Mário, os quadrinhos são uma ferramenta muito poderosa, mesmo para as pessoas que não possuem o hábito da leitura. “Nos tempos de hoje, que consumimos tanto conteúdo, o quadrinho tem a vantagem de ser uma leitura mais rápida”, aponta. “As imagens têm um poder de comunicação muito grande que, às vezes, só o texto não é capaz de fazer a pessoa emergir na história. A narrativa visual faz as pessoas entrarem muito na história, é uma forma de arte que dá para se comunicar com todo mundo”. Apesar de saber a importância de autores LGBTs nos quadrinhos, Mário lembra que qualquer quadrinista deve falar sobre o assunto. “Quando é uma pessoa LGBT escrevendo sobre o assunto, a coisa tem uma riqueza e uma profundidade ainda maior. isso dá uma diferença de olhar muito grande nas obras”.
“Mas isso não quer dizer que uma pessoa hétero cisgênera não possa escrever sobre, quanto mais pessoas escrevendo melhor. Quando é a gente fazendo a gente sabe o que a gente passa e isso fica evidente. Tem uma verdade maior. Eu nunca fui submetido a essas ‘curas’, mas tem frases que ouvi na escola, na família e na vida, que doeram e coloquei ali”, conclui.
FONTE: Ponte
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